Restos

Ainda não era o caos. Retalhos, ramos, galhos e folhas secas estavam espalhados sobre a mesa para, em algum momento definido pelo acaso, serem fixados à tela com mistura que ela mesma produzira, à base de clara de ovo, farinha de trigo e vinagre branco – receita da avó, registrada em livro-tesouro-de-família. O processo criativo, este sim, era caótico e precisava ser transformado, a prazo curto, em cores, formas e texturas para a próxima bienal.

Restos. Era esse o tema da série de quadros de Pamela Alvarez, artista ainda pouco conhecida fora do México. Ela se julgava velha demais para experimentações, não as que exercia pela arte, mas as da vida. Aos 40 anos, sobreviveu a três divórcios e as tentativas de procriar falharam todas. Das viagens que fez – muitas em razão do primeiro casamento com um diplomata – guardou rabiscos em blocos de papel, que mais tarde serviriam de estudo para muitas das obras espalhadas por galerias mexicanas.

Cresceu em Coyoacán, pequena cidade dos arredores da Cidade do México, onde também viveu Frida Kahlo. Em entrevistas aos críticos de arte sempre necessita responder sobre esse aspecto em comum com a artista famosa. Não, não havia referências, influências ou coisa do tipo. Pamela mergulhara muito mais no mimetismo de Remedios Varo e, com menos fôlego, nos sonhos e premonições de Maria Izquierdo.

Fragmentos de imagens, situações reais e imagéticas, arrepios e ardor de alma era tudo o que Pamela buscava extrair dos retalhos, ramos, galhos e folhas secas, em uma tentativa sôfrega de adaptação à obra. Queria se camuflar em restos de qualquer coisa ou coisa alguma. Queria ser mar em fúria, correnteza, morada de ninguém, coragem e medo na mesma medida.

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